sábado, 19 de maio de 2012

Obscuris Medievus I


 Por: Leandro Zerbinatti de Oliveira

Ali estava ela, Mahlya Drecetis, sobre a colina de grama rasteira onde localizava-se a propriedade de sua família. Mas poucos dos seus ali estavam. Apenas um dos vassalos que trabalhava nos campos e uma de suas cunhadas, além, claro, do inseparável cão, Vörwen, grande como um lobo e com seu pelo espesso e avermelhado, estavam próximos quando chegou a hora da prole adentrar o mundo.
            Sobre aquela mesma grama, onde incontáveis vassalos foram humilhados e massacrados; onde plebeus morreram de frio, fome e exaustão; o lugar pelo qual seguiram os cavaleiros rumando à guerra. Ali ela dava a luz. Sem tempo ou possibilidade de chamar o médico do feudo, a irmã do senhor seu marido puxava a criança para fora, enquanto o camponês mantinha as pernas dela abertas – e certamente ele seria punido posteriormente por tal ousadia.
            Naquele momento tudo era dor, gritos e sangue. Sangue era também a cor do cachorro. O cachorro que a penetrava nos momentos de ausência em que o desejo predominava. O cão que comia melhor do que todas as famílias que trabalhavam naquelas terras.
            O herdeiro havia saído completamente. O cordão umbilical fora cortado de modo grosseiro, por uma lâmina que a outra mulher carregava consigo.
            Voltando suas atenções ao útero ensanguentado de lady Mahlya, o plebeu e a outra nobre deixaram o bebê próximo, sobre a grama. Foi então que aconteceu: abocanhando de uma vez o infante, o cão Vörwen disparou pelos campos; seu banquete inalcançável a quem fosse, enquanto a mãe empalidecia e deixava o mundo.
            Cães. Há quem diga que essa ou aquela raça seja assassina, violenta, malévola. Equivocam-se pois ao proferir tais dizeres tolos. Também se equivocam ao dizer que o homem nasce puro, ou que não pode mudar a forma como nasceu – os nobres destinados a governar e os menos afortunados acorrentados à submissão eterna.
            Não. O homem nasce podre ou bom. Esse sim. Tal qual ocorreu com lady Mahlya Drecetis. Desde criança (aquela fase que se crê possuírem inocência imaculada), ela já manifestava sua arrogância. E creiam, essa é a verdade. A criança que um dia será o homem podre, nada tem de inocente. Pode ter sim um quê de ignorância, mas se o mal ali estiver ele irá com certeza se manifestar, seja em um pensamento, em um secreto sadismo, ou em atitudes mimadas e dissimuladas.
            Mas jamais o cão. O cão nasce puro. Ele não tem perversão, mas é o homem (podre ou bom) que o ensina no decorrer do seu convívio.
            Justa causa à lady Mahlya. Que por toda a vida ensinou seu cão, Vörwen a ceder aos desejos da carne; usar quem quer que fosse para saciá-los; a pisar nos indefesos em troca de seu sustento. Agora jaz ela nos nove infernos, vitimando a si própria pela sua luxúria e também a sua prole, que jaz agora no estômago do cão.

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